Certa vez, o sociólogo Ricardo Antunes descreveu algo parecido com um “pêndulo do trabalho.” Ele defende que o trabalho funciona como um “pêndulo” porque em uma extremidade se encontra a dignidade, porém, na outra, a exploração. E continua explicando que, pelo trabalho digno, é possível que as pessoas alcancem o patamar mínimo civilizatório para a sobrevivência.
Neste ponto está a função garantidora da Justiça do Trabalho.
A flexibilização de direitos (alteração/redução da proteção) e a sua precarização (supressão) são fenômenos políticos pautados pelo legislativo de maneira corriqueira. É preciso, portanto, denunciar os modos de produção da forma efetiva, não havendo a possibilidade de se alienar com o pensamento de que a sociedade progrediu no que concerne à exploração de trabalho. “A ideia de que ‘progredimos’ de cem anos para cá é, no mínimo, angelical e sádica: ela supõe ingenuidade e cegueira diante de tanta injustiça social” (ALVES, Raissa Roussenq, 2017).
Diante disto, a função do judiciário, assim, é aplicar os princípios constitucionais e os princípios especializados da Justiça do Trabalho a fim de possibilitar o verdadeiro equilíbrio entre os empregadores e empregados.
Veja: se o art. 444 da CLT prevê a existência de “hiper empregados” e permite que sejam realizados acordos individuais como se fossem coletivos, a função da Justiça é, a partir dos elementos probatórios, aplicar o princípio da proteção e o da realidade sobre a forma.
Se há nos autos provas de que uma pessoa com diploma de nível superior e que ganhe mais do que duas vezes o teto do regime geral da previdência social não tinha conhecimento e igualdade de negociação com o seu empregador, poderá o judiciário entender como nulo todos os acordos individuais firmados.
Nesse caso, a norma flexibilizadora (art. 444, da CLT) foi afastada a partir dos princípios basilares da relação de emprego, presentes na Constituição da República.
De fato, o que se percebe é que o Estado brasileiro, ao mesmo tempo que regulamenta a proteção ao obreiro contra quaisquer tipos de precarização de trabalho, conforme é possível inferir da Constituição, garante a perpetuação da prática justrabalhista precarizante, em normas infraconstitucionais.
Essa percepção já foi objeto de estudos e alertas do sociólogo Ricardo Antunes, que em “Adeus ao Trabalho?” dá vida ao conceito de “escravidão do século XXI”, caracterizada por “um mundo do trabalho baseado na precarização e no esgarçamento das relações de trabalho.”
O que, enquanto juristas e trabalhadores, não podemos esquecer, é que a Justiça do Trabalho somente é especializada porque a lógica do Direito Civil e da Justiça Comum não consegue compreender a complexidade que é estar diante da regulamentação e equilíbrio da relação de trabalho ou da relação de emprego, porque para além do seu objeto principal, tem-se os pormenores, como a saúde e segurança do trabalhador, a sua dignidade e, principalmente, a sua sobrevivência.